quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Os açudes da freguesia de Além da Ribeira e Pedreira



As vias hidrográficas determinaram, desde os tempos pré-históricos, a fixação dos povos; tornaram-se marcos estratégicos e políticos entre as povoações alcantiladas em castros ou recintos fortificados; constituíram verdadeiras vias de comunicação entre povos e estados; incrementaram o comércio e a indústria. Em suma, o curso de água sempre foi um obstáculo, mas também uma via de circulação. 

O homem medieval transforma e melhora o curso de água, moderando a corrente por meio de açudes e de engenhos hidráulicos. O emprego da energia hidráulica permitirá um reordenamento do espaço físico e, com ele o controle da paisagem rural e urbana: contribuirá, também, para o crescimento económico e consequente alteração orgânica da vida social. (Ponte)

A nossa freguesia tem dois cursos de água entre algumas linhas de água que no inverno "aparecem", o de maior caudal – Rio Nabão e o de menor caudal – Ribeira da Fervença/Póvoa/Milheira o que levou a um sistema de aproveitamento da água do rio com recurso a açudes, cujas levadas, para além de suportarem a rega dos terrenos marginais, faziam ainda mover as azenhas, engenhos hidráulicos utilizados na moagem do cereal. (Torrejais, 2008). Mas com o desenvolvimento industrial alguns dos moinhos passaram a ser fábricas, que na nossa região são exemplo disso: a Fábrica de Papel do Sobreirinho (antigo moinho de trigo) , a Fábrica de Papel de Porto de Cavaleiros e a Fábrica de Cartão do Prado (antigas instalações de fundição de canhões e balas de artilharia).

Senhores do rio foram, em dia longínquo, os freires de Cristo. A sua poderosíssima Ordem. Senhores do rio e senhores da terra. Mesmo do «ar». A esse tempo, não se construíam rodas e açudes sem sua licença; eram proibidos os moinhos particulares à beira-rio (as azenhas) e só a Ordem os possuía e explorava (Ferreira, 1976).

Indico aqui os açudes existentes na Freguesia, bem como alguns que foram destruídos através de referências bibliográficas.

Apenas os açudes de maior dimensão tem uma descrição mais pormenorizada. 

 

Ao longo da Ribeira da Fervença/Póvoa/Milheira encontramos sete açudes, quase todos eles tem associados moinhos ou levadas de água.

1 - Açude do Curto

Coordenadas: 39.68032, -8.38880

 

2014

2014


2 – Açude de Vale da Marinha

Coordenadas: 39.66939, -8.39519

março 2021


3 - Açude Casal de Baixo

Coordenadas: 39.66944, -8.39511

2013


2013
 

4 – Açude da Fervença

Coordenadas: 39.66638, -8.39777


janeiro 2022

janeiro 2022

5 – Açude da Póvoa

Coordenadas: 39.65940, -8.40230

 

abril 2021
agosto 2013
agosto 2013 




6 – Açude das Bicas

Coordenadas: 39.65397, -8.39853

 

agosto 2013

agosto 2013



7 – Açude da Milheira

Coordenadas: 39.64789, -8.40715

 

outubro 2014

outubro 2014


A utilização da água da levada para as terras de regadio era regulada.

Placa a indicar os dias de utilização da água da levada (a água vem pelas levadas do açude da Fervença)

 Rua da Ribeira 2020

 

Na nossa freguesia ao longo do Rio Nabão encontramos cinco açudes de maior dimensão nos quais os moinhos foram substituídos por Fábricas de Papel exceto o açude do Caldeirão que serviria para canalizar água para a levada bem como para mover a antiga roda hidráulica.

1 - Açude de Porto de Cavaleiros

Coordenadas: 39.65736 -8.42875

Data de construção: 1 de Outubro de 1880. O velho açude dos moinhos de farinha fundados por Bartolomeu Testa na segunda metade do séc. XVIII foi reedificado. Em 1883 foram feitas obras de construção no açude transformando-o numa construção sólida.

Extensão: 45 m de comprimento

Altura: 4,5 m de comprimento

Material de Construção: Alvenaria

Função: Serve em primeiro lugar a roda elevatória de água, para consumo da fábrica, as turbinas e antiga roda hidráulica do maço de papel. O canal que serve a fábrica tem 20 m de extensão.

 





março 2021

2 - Açude do Sobreirinho

Coordenadas: 39.65408, -8.41080

Data de construção: 1845(?)

Altura: em 1874 os habitantes do lugar da Póvoa queixam-se do alteamento do açude da fábrica que impossibilitava a utilização da água da fonte do rio.

Material de construção: Alvenaria de pedra. Informações locais afirmam ser este um segundo açude que serviu de moinho acoplado à antiga fábrica de papel.

Construtor: Bartolomeu Testa, proprietário da fábrica e mestre da Fábrica do Papel do Prado. Foi remodelado por Silvério da Costa Marques.

Função: Serviu as rodas hidráulicas da fábrica e posteriormente a roda da azenha.

1845 – A ponte do Sobreirinho aguarda a sua reconstrução por o dono do moinho não a ter feito. Era um ponto de passagem dos povos de um para o outro lado do rio. Vários moradores da Póvoa queixam-se à Câmara pelo fato de Bartolomeu Testa dono do moinho do Sobreirinho ter feito um açude mais alto e querer por uma calçada no rio em vez de ponte;

1875 – Na sessão de 14 de Maio e depois em 30 de Julho foi apresentado um requerimento de Silvério Costa Gonçalves, sócio-gerente da Fábrica de Papel do Sobreirinho, dizendo que alguns proprietários das rodas colocadas na parte inferior da mesma, por tal forma vão elevando os açudes das referidas rodas que nas águas represadas estorvam o regular andamento do motor da Fábrica, por ficar não pouco metido debaixo de água. Que na parte superior da Fábrica existe, marcada pela Câmara, a máxima altura a que se pode elevar a água do rio, e isto em benefício da agricultura; e como em presença desta demarcação não seja possível elevar-se nem o açude nem o motor da fábrica, pedia à Câmara providências;

setembro 2013
janeiro 2022

3 - Açude da Fonte do Caldeirão

Coordenadas: 39.64504, -8.40984

 Este açude normalmente está submerso devido à sua menor altura ou talvez por ser anterior à data de construção do Açude do Prado

setembro 2020

setembro 2020

4 - Açude do Prado

Coordenadas: 39.64329, -8.40444

Data de construção: Existe uma chapa de bronze de 4cm de diâmetro com a data de construção – 20/9/1822

Extensão:107,10m

Altura: 3,40m

Material de construção: Alvenaria em pedra com reboco em algumas paredes.

Sistema de comportas: É muito curioso o sistema de comportas do canal que se dispõe da seguinte forma: a 1ªcomporta do lado esquerdo do canal, logo após o fim do açude, serve de descarga e foi montado em 5-11-1931: seguem-se seis comportas em ferro e chama de tábuas de madeira, cuja função era reguladora do nível do canal. Tem inscrito o seguinte: Fábrica do Prado. Montagem em 17-8-1935. Logo a seguir segue-se uma casa por cima do canal, mais antiga que as comportas e que deveria ser a casa do valador que procedia à limpeza do canal; seguia-se uma terceira derivação, agora à direita, com comporta que abria para a Quinta da Granja, tendo pois uma função meramente agrícola. Finalmente junto à casa das turbinas estavam mais três comportas datadas de 8-9-1936, duas para as turbinas mecânicas e outra para a turbina do motor elétrico.

Obs. No açude, junto à escada que desce para o rio está indicado um nível que se julga ser o de uma cheia (1-10-1906). Junto à casa das turbinas estão indicados por ordem de grandeza três cheias (1ª -1909-22-11; 2ª – 1915-29-11; 3ª -1936/18/2).

Função: represar a água que servem a Fábrica de papel do Prado. Depois do açude as águas são trazidas à fábrica por um canal de 307,10m de comprimento, 6,50m de largura e 2m de altura.

 

facebook - Prado Karton


facebook - Prado Karton

5 - Açude da Pedra – Açude da Real Fábrica da Fiação (antiga localização da Ponte da Granja) (Cultural, 2022) - 1789

Coordenadas: 39.62014, -8.40662

“O açude que a (Real Fábrica da Fiação) servia foi levantado em 1789, no local da antiga ponte da Granja, destinando -se ao represamento das águas do rio Nabão para produção da energia hidráulica que devia acionar as máquinas de fiação e cardagem. Assente no leito fluvial rochoso, e detendo uma notável integração paisagística, o açude consiste numa muralha angular disposta entre as duas margens, formada por dois lanços desiguais, e completada pelo canal que conduzia a água para a fábrica, com abertura regulada por cinco adufas. No lanço menor da muralha ficavam as comportas de descarga do açude. Esta estrutura possibilitou a introdução da energia elétrica nas suas instalações fabris, precedendo o futuro uso da eletricidade como força motriz.” (Diário da República, 2013)

“As águas deste açude ainda eram responsáveis pelo funcionamento de engenhos de produção de farinha e azeite de propriedade dos freires do Convento de Cristo, além de elevar água para a rega das terras da Comenda do Prado e Quinta da Granja...” (Marques, 2021)

 

março 2021

março 2021



Outros açudes:

“Em 22 de abril de 1685 foi mandado demolir um açude e levada no sítio das Lapas, que um habitante da Milheira tinha feito para um Moinho no rio Nabão.” (Rosa, 1965)


Quadro Legislativo e Normativo (Costa, 2022)

https://www.igf.gov.pt/leggeraldocs/DL_046_94.htm

Regulamento dos Serviços Hidráulicos de 1892

Lei das águas 1919

Artigo 256.º do Regulamento dos Serviços Hidráulicos


Fotografias de Nuno Ferreira.


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

As rodas hidráulicas no rio Nabão - Além da Ribeira e Pedreira


As rodas hidráulicas que “enxameavam” o rio faziam elevar a água para a irrigação dos campos e forneciam, através da água represada nos açudes, e depois encaminhada e regulada até ao engenho, a força motriz necessária para a moagem do grão em farinha.

Roda perto do Sobreirinho - 2020
Roda perto do Sobreirinho - 2020


Roda perto do Sobreirinho - 2020
Roda perto do Sobreirinho - 2020

Por detrás dos "modelos" podemos ver ainda uma antiga roda junto ao Sobreirinho.




Estas rodas, de construção bastante sólida, eram semelhantes à das azenhas aparecendo umas e outras associadas; a água que corria pelo mesmo canal ou gola movia os dois aparelhos.

Fotografia publicada no facebook pelo Sr. Hilário Guia
(não há certeza do ano)

Localização da roda na antiga fábrica do Sobreirinho - 2013
Localização da roda na antiga fábrica do Sobreirinho - 2013


O fabrico destas rodas exigia a mão de carpinteiros especializados, os quais utilizavam para a sua construção o pinheiro (manso e bravo) e o carvalho (raramente se serviam do ferro).

O suporte da roda ou burra era de pinheiro manso, passando posteriormente a ser de alvenaria; o restante, à exceção do eixo que era feito em madeira de carvalho, era de pinheiro bravo.

Suporte Roda em frente Fonte do Caldeirão - 2021
Suporte Roda Hidráulica em frente da Fonte do Caldeirão - 2021

Os alcatruzes presos aos arcos da roda, eram de barro ou de folha. Estes engenhos associavam-se, algumas vezes a azenhas, apresentando sistemas ou dispositivos especiais que visavam responder às condições criadas pela diferença de nível das águas do rio Nabão e das ribeiras suas tributárias, registada no verão e no inverno. Estão neste caso os moinhos e as azenhas de roda vertical.

Por outro lado, a construção e a orientação destes engenhos perto das margens de rios que apresentavam um grande caudal no período das chuvas, obedeciam a dispositivos arquitetónicos de segurança dos próprios edifícios, assim, a sua destruição pela violência das águas. Estas construções tinham habitualmente a fachada orientada para montante, em forma de quebramares de pedra, ora aguçados em esquina, ora arredondados.

 

Texto retirado de: Câmara Municipal de Tomar. (outubro de 1992). Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar nº17. O rio, as rodas e os açudes, pp. 45-47.

Localizações de outras rodas existentes na freguesia de Além da Ribeira e Pedreira com testemunhos através do facebook:

Nas hortas perto do Prado a roda do Joaquim Correia outra nas hortas no caldeirão era do José Neto e a fonte do caldeirão. Informação da D. Ilda Henriques (Pedreira)
O meu bisavô - José Graça nascido em 1879 (Sérgio Lopes) tinha uma roda destas no Porto Compadre, para fazer movimentar o moinho de que era proprietário. O meu pai ajudava na distribuição da farinha pelos fregueses. Nas ruínas que lá estão dá para ver onde encaixava a roda. Nota-se também que o rio vai sempre escavando o seu leito, já desceu uns metros em relação à época do moinho.


1884 – Sebastião Marques, da Fervença, tinha uma roda de regar entre as Lapas e Porto de Cavaleiros e estava a construir um canal de alvenaria, ao que parece para construir um moinho;

Segue duas fotografias do Moinho Velho ou Moinho do Alfaiate (a meio caminho entre Porto Cavaleiros e as Lapas - margem esquerda do rio) tiradas pelo Sérgio Lopes, onde se vê bem o «pescoço do eixo» assente na «chumaceira»
Foto de Sérgio Lopes - abril2022

Foto de Sérgio Lopes - abril2022



Fotografias: Nuno Ferreira

Segue-se desenhos com pormenores e legendas da Roda de Santa Cita - Tomar, retirados do site:  https://books.openedition.org/etnograficapress/6158